Reportagem: Camila Neumam
Fotos: Renato Rodrigues
Logo depois de calçar as botas para começar o trabalho em Osasco (SP), na manhã do dia 6/3, a encarregada de limpeza Priscila Maria da Silva, de 39 anos, sentiu uma fisgada no pé direito. Ao retirar o calçado, veio o susto: era um escorpião amarelo (Tityus serrulatus), espécie que mais causa acidentes e óbitos por envenenamento por escorpiões no Brasil.
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Priscila foi picada no segundo dedo do pé direito. Com dor no local e na perna direita, ela foi levada para a Unidade de Pronto Atendimento (UPA) mais próxima, onde foi medicada com analgésicos e depois encaminhada de ambulância para o Hospital Vital Brazil (HVB), localizado dentro do Parque da Ciência Butantan e especializado no tratamento de acidentes por envenenamento. Assim que chegou ao HVB, Priscila foi tratada com o soro antiescorpiônico produzido pelo Instituto Butantan.
“Na hora da picada eu senti uma queimação, um formigamento que foi subindo pela perna até o joelho. Quando eu cheguei na UPA, comecei a sentir ânsia de vômito, tontura, dor de cabeça e me disseram que eu seria transferida para o hospital do Butantan”, explica Priscila.
Priscila foi transferida para o Hospital Vital Brazil, onde recebeu o soro antiescorpiônico
O que fazer e o que não fazer ao encontrar um escorpião?
A encarregada de limpeza disse que a picada foi fruto de uma distração: a empresa onde ela presta serviço havia orientado os funcionários a checarem os sapatos antes de calçá-los, pois havia feito uma dedetização após a aparição de um escorpião.
“Na rotina normal, eu tiro as botas de dentro da gaveta do armário, bato cada uma, e oriento meus outros funcionários a fazerem o mesmo. Só que naquele dia eu me distraí porque fui conversando com o pessoal e calçando a bota até que senti a picada”, conta.
Inicialmente, a picada causou dor, queimação e formigamento; depois, Priscila sentiu naúsea, tontura e dor de cabeça
Desinsetização resolve?
A bióloga e assistente técnica de pesquisa científica e tecnológica do Biotério de Artrópodes do Instituto Butantan Denise Maria Candido explica que a desinsetização não é eficaz para eliminar escorpiões. “A desinsetização não é recomendada para o controle de insetos, pois além de não serem insetos -são aracnídeos- os escorpiões são animais bastante resistentes e ficam escondidos em locais onde não são atingidos pelo veneno, tornando a ação ineficaz. Com metodologias corretas é possível fazer o controle de escorpiões com produtos sólidos e não pulverizados”, afirma Denise Candido.
A bióloga explica que a dedetização ou desinsetização se refere ao controle de pragas focado na eliminação de insetos, sendo que o primeiro está relacionado ao nome do antigo DDT, que atualmente não deve mais ser usado para este controle.
“A dedetização fez com que o animal se deslocasse sem morrer e foi parar dentro do sapato. Os funcionários foram corretamente avisados do ocorrido, mas o que aconteceu foi a ‘sensação de segurança’ que passaram a ter por saberem que já tinham jogado o veneno”, ressalta a bióloga.
Saiba o que fazer para prevenir o aparecimento de escorpiões em casa
Das 2.800 espécies de escorpiões conhecidas no mundo, cerca de 140 são consideradas de interesse em saúde, ou seja, que o veneno pode ser prejudicial aos humanos. No Brasil, existem 180 espécies de escorpiões, sendo que as responsáveis pelos acidentes graves pertencem ao gênero Tityus – que tem como característica, entre outras, a presença de um espinho sob o ferrão. A espécie Tityus serrulatus, a mesma que picou Priscila, é a que mais causa acidentes graves no país, com registro de óbitos principalmente em crianças, segundo o Manual de Controle de Escorpiões, do Ministério da Saúde.
Os escorpiões foram responsáveis por 154 óbitos e por 193.115 acidentes no país em 2024, segundo o Sistema de Informação de Agravos e Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde. O estado de São Paulo continua sendo o maior notificador de acidentes escorpiônicos, com 42.054 casos em 2024.
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Quando o soro é necessário?
É importante ressaltar que nem todos os acidentes com escorpião demandam o uso do soro antiescorpiônico. Além de prestar atendimento à população, os médicos do HVB são consultados por profissionais de saúde de outros hospitais para avaliar a necessidade ou não do uso do antiveneno em seus pacientes. Com o caso de Priscila não foi diferente. A equipe da UPA ligou para o hospital do Butantan, onde a equipe avaliou os sintomas e resultados de exames. Por se tratar de um caso que precisaria de soro, a transferência foi sugerida.
“Ela apresentava palidez, sudorese, mal-estar, dor no peito e alterações da glicemia e no eletrocardiograma, quadro de envenenamento classificado como moderado, que necessita da administração do soro”, explica o médico cirurgião Jefferson Murad, plantonista no HVB que atendeu a encarregada de limpeza. Com a piora dos sintomas, Priscila recebeu três ampolas do medicamento.
Além de moderado, os envenenamentos podem ser leves ou graves. Nos casos de envenenamento leve, a dor pode ser intensa no local da picada, mas o veneno não se espalha por completo no corpo do paciente. “Estes casos podem ser combatidos com infiltração anestésica local, com analgésicos orais ou injetáveis e calor local. Eles correspondem a mais de 90% dos casos”, esclarece Jefferson Murad.
Os casos de envenenamento moderado podem incluir alterações no sangue, como aumento da glicemia, aumento da amilase (enzima digestiva) no sangue e alterações cardíacas. “Envolvem sinais de envenenamento sistêmico como palidez, sudorese profusa, mal-estar, náuseas e vômitos. Quando ocorre a maior parte destes sintomas laboratoriais e clínicos, indicamos a administração do soro”, ressalta o médico do HVB.
Nos casos de envenenamento grave, o acidentado pode sofrer vômitos proeminentes, arritmia, parada cardiorespiratória, choque hipovolêmico (hemorragia proeminente) e edema agudo de pulmão. “São pacientes que precisam ser internados em Unidade de Terapia Intensiva, mas são casos raros, difíceis de acontecer. Devemos dar uma atenção especial em crianças a fim de evitar que o envenenamento evolua para esse quadro”, destaca Jefferson Murad.
Em resumo:
- Envenenamento leve: causa dores, coceira, formigamento ou queimação – não precisa de soro antiescorpiônico;
- Envenenamento moderado: dores intensas, náuseas, vômitos, sudorese, taquicardia, entre outros – de 2 a 3 ampolas de soro antiescorpiônico;
- Envenenamento grave: manifestações do envenenamento moderado + problemas cardíacos e pulmonares, entre outros – de 4 a 6 ampolas de soro antiescorpiônico.
No HVB, Priscila foi orientada sobre como prevenir acidentes com escorpiões
Prevenção e socorro
Com os dias mais quentes, clima propício para a reprodução de escorpiões, o aumento de acidentes com o aracnídeo se torna um fenômeno cada vez mais comum. No dia do atendimento de Priscila, por exemplo, outros dois pacientes haviam dado entrada no hospital do Parque da Ciência devido a picadas de escorpiões.
“Em caso de picada de escorpião, o paciente deve ser levado à unidade de saúde mais próxima o mais rápido possível e solicitar a avaliação de um médico. Caso haja alguma dúvida quanto ao atendimento, ele pode entrar em contato conosco para fazermos a orientação ou oferecer uma segunda opinião. Prestamos este serviço para todo o Brasil”, disse Jefferson Murad.
Priscila ficou no HVB sob observação por 24 horas. Neste período, contou as horas para rever os filhos João, de 20 anos, Júnior, de 15 anos, Yasmin, de 8 anos, e Alice, de 4 anos, além o esposo Thiago e da mãe Marta. E disse que não vai se esquecer do que aprendeu com os profissionais do HVB.
“Eles me contaram aqui que os escorpiões gostam de ficar em lugares escuros. Então entendi que é importante sempre dar uma olhada nos sapatos e nas roupas que a gente coloca no armário. Devemos estar atentos, principalmente nestes locais e onde há obras, porque são lugares mais propícios para aparecer escorpiões”, conclui Priscila.